capítulo 8: CUMURUXATIBA - BA
- Padu
- 10 de set. de 2018
- 4 min de leitura

nossa pororoca foi em Cumuruxatiba, onde o fluxo do rio-estrada desaguou no mar, fazendo a gente perder de vista nossos horizontes e possibilidades. foi o último pouso do nosso primeiro ciclo de viagem. ao mesmo tempo que sentimos a intensidade do encontro das águas de onde vínhamos com as águas de Cumuruxatiba, sentimos um calor de um abraço materno aconchegante. o quente do sol, da areia, do mar. como se estivéssemos chegado em casa. em uma das conversas rememorando os lugares por onde passamos, Rudá perguntou: "mãe, a gente morou lá?", fazendo com que recriássemos o conceito do que é moradia. por muito tempo insistimos para ele que a Kombi era a nossa morada, mas ele já entendia mais do que nós, entendia no corpo que, na verdade, todos os lugares por onde passamos foram, de alguma forma, casa.
foi na pequena vila de Cumuruxatiba, sul da Bahia, entre o mar e a Mata Atlântica, que fomos invadidos pelas relações comunitárias. caminhando pela vila, víamos suas relações acontecendo em outro tempo.
caminhando pela orla encontramos o Projeto Vela Cumuru, um projeto social de escola de vela e navegação, alternativa educativa-esportiva para as crianças e adolescentes das comunidades de Cumuruxatiba, Corumbau, Barra do Cahy, Imbassuaba e Prado. conhecemos Aldo, quem nos apresentou o projeto e também deixou com que navegássemos um pouco em um veleiro pela primeira vez com o Rudá.


por duas vezes fomos invadidos pelo som e tremor do batuque e seguimos o chamado, caminhando com os ouvidos até descobrir de onde vinha. primeiro, junto da levada do balanço do mar, encontramos as levadas da batucada baiana do Curumin Batuke, criado há quase 20 anos. um projeto batuque com crianças e adolescentes da comunidade.

o segundo encontro foi com o Maracatiba, grupo percussivo criado em 2016, formado por moradores de Cumuruxatiba que estudam e tocam o Maracatu de baque virado.

a vila nasceu, cresceu e se forma na relação com as aldeias Pataxós e sua cultura. foi surpreendente reconhecer a existência dessa raiz cultural nas ruas: desde outdoor citando as aldeias até trabalhos de pesquisa em frente à escola pública, feito pelos próprios alunos. nos postes de luz, encontramos o chamado para uma Noite Cultural na Aldeia Cahy, Aldeia Pataxó mais próxima da vila.
a noite cultural foi feita em visibilidade ao mês do índio, com falas de representantes da luta Pataxó sobre os conflitos de terra da região, apresentações artísticas de crianças e adultos da aldeia, partilha de alimentos (peixe assado na bananeira, frutas, bolo de aipim, bolo de puba, pamonha...), fogueira, venda de artesanato Pataxó, danças, cantos e jogo em roda.




nosso encontro já estava marcado em Cumuruxatiba. nossa conexão para chegar lá já existia há tempos por conta de um projeto que já nos encantava e chamava de longe: a Vila Escola Projeto de Gente, espaço dedicado à atenção, respeito e cuidado entre as crianças e jovens da comunidade, desde o ano de 2007. uma experiência de educação comunitária-libertária-democrática, campo de livre expressão das crianças.



fomos acolhidos pela mediação amorosa e consciente de Alê e Patto, educadores da Vila Escola, entendendo e aprendendo aos poucos sobre o fluxo da relação e história daquele espaço. o projeto é gratuito e acontece no contra-turno escolar, com crianças a partir de 7 anos.
segundo Alê, médico-educador e iniciador do projeto Vila Escola, as rodas de conversa são o coração da Vila, onde todas as combinações acontecem: "NÃO ter controle, organizar em comum acordo o dia a dia, a convivência, a vivência comunitária de necessidades e desejos. (...) um campo de desaprendizagem e reaprendizagem para os adultos, para os educadores". na roda são acolhidas as necessidades de cada um, crianças e adultos, todos com o mesmo peso de decisão. as vontades, os conflitos, as necessidades, as escolhas de prioridades, as escolhas dos projetos que mergulharão, etc.



são muitas atividades que acontecem na Vila. no período em que estivemos por lá, a semana era dividida entre tempos livres de brincadeira, projetos que foram escolhidos em roda (por exemplo, o projeto de Culinária e construção de brinquedos), Clube do Livro e Cineclube, com escolhas de livros e filmes temáticos em eventos abertos para a comunidade.




no último dia em que acompanhamos as atividades, no projeto de horta, trabalhamos juntos cavando a terra e pensando juntos a melhor maneira de lidar com ela. foi muito simbólico aquilo tudo, de uma simplicidade em outro tempo, com cada uma das pessoas (crianças e adultos) trazendo sua perspectiva dos próximos passos.
reviramos nossos conceitos, tiramos os cacos e objetos que atravancavam nossos pensamentos, preparamos a terra para reconstrução das nossas necessidades a passos calmos e lentos. no mesmo ritmo que caminhávamos pela areia, caminhamos reiventando nossos conceitos de autonomia, afeto e relação. estamos acompanhados até hoje dos olhares curiosos e da força de reinvenção da Vila Escola.


segue um texto belíssimo do Alê sobre sua vivência ao longo dos anos na Vila Escola: www.portaldoeducador.org/educadores/detalhe/alexandre-luiz-andrade-cavalcanti/o-que-aprendi-na-vila-escola-projeto-de-gente-educacao-libertaria
um agradecimento e carinho imenso a todas as pessoas que nos acolheram nessa vivência deliciosa em Cumuruxatiba: Duda, Maria do Carmo, Alê, Maria, Marina, Patto, Thiago, Aline, Mirela, Gabriel, Fernanda, Tito, Maia, Joaninha e Tetê.
Se quiser saber mais sobre: Projeto Vela Cumuru: www.projetovelacumuru.com.br
Curumin Batuke: www.facebook.com/CurumimBatuke
Maracatiba: www.facebook.com/maracatiba
Vila Escola Projeto de Gente: www.facebook.com/vilaescolaprojetodegente
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texto: Padu
Fotos: João Pedro Orban
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