capítulo 7: QUILOMBO DE RETOMADA - ES
- Padu
- 27 de jul. de 2018
- 2 min de leitura

saindo do umbigo foi necessário perder perder a cerca dos portões perder a obrigação de ser saindo do umbigo foi necessário perder de vista adentrar em larga escala assustar os olhos de matéria extrativista café pasto mineradoras eucalipto construtoras gado coqueiral cana de açúcar milharal saindo do umbigo foi necessário perder entender que os campos devastados somos eu, você que retomar as terras é retomar viver regenerar em mim entregar o poder fora do umbigo foi tão necessário ver pra virar desnecessário ter

pedimos licença para recontar esse encontro, que passará longe de dar conta de recontar. nossa história passa longe de poder saber o que, de fato, vive ali.
para esse encontro acontecer, lá se foram uma série de desencontros. mas foi um espaço curto tão potente, que desajustou nossas percepções de vida, política, privilégios, afetos. um dia de prosa e sopa de aipim da terra, terra conquistada e retomada pelas mãos de quilombolas. no lugar do deserto de eucaliptos de uma grande empresa, terras retomadas para moradia e produção de alimentos sem veneno.


nosso silêncio foi sendo preenchido pelas histórias dele e dela. enquanto cuidávamos do Rudá, cuidávamos de receber aquele presente de encontro único. foi uma profusão de sentimentos ter que dar atenção para tantas coisas pulsando, dentro e fora da gente. pegamos água do poço, caminhamos pela plantação, colhemos aipim, lavamos na água, colhemos urucum, nos pintamos, cozinhamos e aprendemos a receita da sopa de aipim, brincamos com os filhotes de cachorro, embalados nas histórias e compartilhamentos de vida daquelas duas pessoas.


prisão jovem. pena cumprida. trabalho em lixão, lá presenciando a cena de uma criança sendo içada por uma garra de escavadeira de caminhão de lixo. ápice para buscar um outro sentido de vida, querer mudar a vida por completo. encontro com o MST, começo da militância na luta por terra. encontro com a luta quilombola e a militância das retomadas de terras. seguir trabalhando na terra, sem água, sem luz, sem telefone, com um poço de 5 metros cavado na enxada e um sistema de lona para irrigação por gravidade. sem veneno, sem agrotóxico, sem aditivos químicos. comprando peixe no litoral na moto antiga, revendendo a preços acessíveis para a comunidade local. ajudando em retomadas de terras quilombolas. vivendo as contradições do movimento, segregações e uniões. desesperanças e esperanças. corrida na luta de dinheiro para criar os filhos, viagens longas, feiras, reuniões de luta feminina. invisíveis em estatísticas da mídia, mulheres negras quilombolas são motivo de perseguição, ameaças e violência no estado do Espírito Santo e em todo canto. o silêncio protege os encontros, preserva e cuida da militância e resistência. o silêncio é preenchido de muito querer, de fazer, de transformação. dois que fazem como centenas. dois que são roda d'água.
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relato: Padu
fotos: João Pedro Orban
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